O cheiro pútrido daquele solo profano cheio de corpos abaixo da terra invadia minhas narinas arrancando-me a paz. Aquele maldito cheiro iria impregnar em minha roupa, assim como o sangue do morto grudou em minha pele e a dor de sua morte agarrou-se a minha alma. Ele estava com seus olhos fechados e sem qualquer resquício de vida em seu corpo. Flores o cercavam juntamente a alguns bilhetes, como os mortais conseguem ser tão orgulhosos ao ponto de darem mais flores e serem sinceros após a morte? Seus familiares trajavam roupas pretas e simples, estes demonstravam sua angústia e ódio por quem havia trazido a morte ao seu parente.
Minhas pernas levaram - me ao seu encontro, passei
minhas mãos por sua pele gelada e conservada que logo seria comida pelos vermes
da terra, afaguei seus cabelos negros e desenhei em sua testa nossas iniciais,
pude então sentir lágrimas geladas escorrerem por meu rosto como se escrevesse
nossa história. Apertei sua mão contra a minha, sua mão branca sem qualquer
barulho de seu pulso ou sangue correndo por suas veias o faz igual a mim.
Deixei meus sentimentos me condenarem pelo orgulho e ignorância.
– Me prometa que irá voltar, diga-me que é
apenas um teatro. – Pedi com amargura na voz. Por mais que a culpa
inundasse meu ser sou incapaz de lhe pedir perdão. Mãos embrulhadas por um
tecido me puxaram para trás assim que o Padre anunciou a hora do lacre. Não
deveria deixá-lo, não poderia deixá-lo, no entanto raízes pareciam prender meus
pés ao solo.
– Não deveria ter se envolvido com alguém como
ele, agora paga pelas consequências de sua ignorância. – A voz orgulhosa e
vencedora de Callisa soou baixo em meu ouvido.
Virei meu rosto tendo a visão de um sorriso vencedor
contornando seus lábios abaixo do tecido escuro que o cobria, seus olhos
vermelhos como sangue seguiam minha feição perdida.
Meus olhos fitavam o caixão sendo lacrado, mas os mesmos
não prestavam atenção nisso e sim em cada sorriso dado por nós, nossos sorrisos
agora se tornam apenas uma linha tênue em nosso rosto, sendo assim uma ponte
para as lágrimas cruzarem.
– Vamos para
casa, não deveríamos estar aqui. – Sua voz fria e decidida era como uma ordem
ao meu corpo.
Meu corpo a seguiu, todavia minha alma estava
vinculada aquela cena. Havia perdido a minha alma naquele cemitério, havia
perdido a minha vida por um humano qualquer e ganhado em troca um buraco em meu
peito. Virei rapidamente para ver o que acontecia, o caixão já não estava mais
lá, agora estava enterrado a inúmeros palmos abaixo do chão.
Podia ouvir as ordens e reclamações de Callisa,
entretanto meus músculos não respondiam a ela, soltei a flor rubra como o sangue
que faltava em ambos de nós e a observei até cair contra o chão. Ela
parecia cair lentamente e graciosamente, a brisa que batia nela levava suas
pétalas para longe a desfazendo e a deixando sem sua armadura, era assim que me
sentia com ele. Sem minha armadura a qual julgava indestrutível, agora esta tem
rachaduras que permitem ferir-me mortalmente. Ele foi o motivo da minha
queda, foi o meu doce veneno e minha amarga luta perdida.
O vento bateu contra meu corpo tentando levar minha
essência. Meus cabelos balançaram juntamente ao meu vestido em uma dança,
o qual o cantor era você dizendo que ainda estava aqui, como um ator, como um
mentiroso e eu por míseros milésimos de segundos acreditei como a platéia de um
circo. No entanto a minha mente que lhe rondava se fechou em uma escuridão
imensa para reconstruir a armadura e dessa vez não deixar ninguém tira-la.
Minha alma perdida, minhas lágrimas derramadas, meu coração arrancado do peito.
Seu sangue em minha pele, sua dor em minha alma e seu cheiro em minha roupa.
O que eu
preciso para lhe trazer de volta? O que preciso para minha armadura se
completar e ter meu coração no lugar? Preciso da minha sanidade algo que me
roubaste algo que devo encontrar novamente, mas desta vez irei prende-la junto a
minha alma para não escapar e me tornar mais um boneco para eles.
Eu caí, mas posso me reerguer e você pode
voltar? Agora estou presa em dilemas, estou presa em um calabouço de
amargura e assim sem mais sorrir verdadeiramente, agora meu sorriso é apenas
uma linha que segura a forma. Essa sou eu de hoje em diante, mais uma
marionete.
Minha queda. Sua morte.
Ísis
Postar um comentário